sábado, 18 de maio de 2013

Uma vida guardada



 O quarto estava escuro, a casa silenciosa, tudo tão frio, tanto quanto o meu coração. Não fui trabalhar, não tomei café, não tirei o meu pijama, não li um novo capítulo, não deixei um raio de luz sequer entrar, as horas passaram e permaneci imóvel, deitada, encolhida como um feto que existe mas ninguém sabe, tentava fazer com que aquele quarto cheio de lembranças e tão vazio de esperança parecesse maior. Gostaria que tudo lá fora estivesse parado, mas eu sabia que ali perto, do outro lado das paredes tudo continuava, a vida se movimentava rapidamente, eu não queria fazer parte disso, não queria seguir os ponteiros de um relógio qualquer, não queria sorrir  com os lábios enquanto odiava com os olhos, não queria fingir que não tomei alguma atitude porque não tive tempo, porque o sol se foi e amanhã é outro dia.
 Não sei quanto tempo fiquei ali parada, não sei se choveu ou se já é outro dia, mas o quarto parecia tão grande e escuro que procurei algo para me segurar, eu preisava ter certeza de que eu ainda estava ali, fui tateando a imensidão até que me encontrei, puxei uma gaveta, eu interagia com algo que nem sei dizer o que era, e para meu desespero aquela gaveta não abriu, o puxador que parecia mais uma enorme bola de gude caiu e rolou até onde não sei dizer, simplismente se foi. De repente senti um desespero, percebi que eu não tinha mais referências, não tinha mais noção do espaço, eu já não sabia o que era realidade.
 Fotos, pingentes, cartas, retalhos, ingressos, poemas, tudo guardado naquela gaveta, meu relógio, meu sorriso, meus machucados, uma vida guardada há anos naquela gaveta empoeirada, era ali onde eu me encontrava quando tudo parecia sumir, era ali naquele quadradinho onde o meu mundo todo existia. Meu celular tocou, tocou, abris os olhos, já estava claro, eu já ouvia a busina de um carro. Hoje persegui os ponteiros de um relógio velho na parede do escritório, comprei um guarda-chuva inútil, tomei uma xícara de café na tentativa de amenizar o frio das roupas molhadas e deixei alguns relatórios por fazer, mas está tudo bem, amanhã é outro dia.
 As coisas continuavam normais enquanto a gaveta permanecia fechada, normais demais, automáticas demais, rápidas demais, frias demais, barulhentas demais, repetitivas demais. Até que percebi que a gaveta não era o problema, abrir uma gaveta não era o suficiente, eu precisava desmontar o guarda-roupa inteiro, não basta pedir as contas, terminar um namoro, apagar as luzes, fechar os olhos e esconder tudo bem lá no fundo de uma gaveta, é preciso fazer o que se ama, provar um novo drink, se apaixonar, descobrir um talento oculto, ver o sol nascer.
 E assim eu fiz, desmontei alguns móveis, fiz minhas malas e deixei todo o resto, intácto, trancados numa gaveta.

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